sábado, 22 de agosto de 2009

2.

Inicio então essa pesquisa sobre o tema COTIDIANO. Ela se dá através do registro de algumas ações e situações de/na vida, no meu dia a dia, assim como pela leitura de textos encontrados na área da Terapia Ocupacional e de outras ciências com as quais possa haver algum diálogo. Para tanto, redijo algumas linhas no que chamo de COTIDIÁRIO, assim como realizo um breve levantamento de referências bibliográficas.
Mais uma vez abro o leque de possibilidades de construção de um campo articulado de estudos, ou melhor dizendo, me posiciono no campo INSTALADO nos ESTUDOS CULTURAIS.
De que forma posso construir algo a ser mostrado? O que será que já existe? O que trarei de novo disso em mim para o mundo? Como posso articular diferentes pontos de vista sobre a situação? Essas são algumas das angústias da criação do estudante-pesquisador-escritor.
Preciso antes tomar essa questão para mim, adentrá-la, trazê-la ao presente vivido, nas ações que executo, nas relações com as pessoas, em todo um juízo- um plano de consciência compartilhado por uma classe de trabalhadores suas histórias e construções, e ainda, nas minhas próprias histórias e memórias que tenho dos tempos passados onde haviam discussões sobre tal tema numa estratégia de constituição educativa.
Pois bem, como já mencionei em 1., acionarei três dimensões intrínsecas ao adjetivo que qualifica a terapia que exerço. OCUPACIONAL lida com TEMPO, ESPAÇO E MODOS DE AÇÃO. O COTIDIANO é algo que não encontra-se em apenas uma dessas dimensões, mas em todas elas, poderíamos dizer que ele é uma quarta dimensão que a essas outras se refere. Inscrito enquanto estrutura organizadora dos discursos de ação no tempo, no espaço e nos modos do fazer.
Antes que o despertador programado soe as 7:20, acordo. Saio da cama num de repente, caminhando vou ao banheiro e faço minhas necessidades fisiológicas, lavo o rosto, enxaguo a boca. Desço a escada indo até a cozinha. Em cima da geladeira há pó de café. Encho a cafeteira com água e pó, numa medida mais ou menos inexata,ligo a máquina e subo até o banheiro. O dia está chuvoso, é esse o clima do tempo de hoje. A vontade de voltar para cama é grande. Quem sabe uma pequena soneca? Não, se voltar me atraso para o trabalho.
Tomo banho, coloco roupas limpas e lavadas durante o sábado do final de semana que antecede a terça de hoje. Pego minhas tralhas, telefone, livro caneta, objetos que se instalam em meu cotidiano e através dos quais exerço meus modos de ação.
Tomo café puro pra despertar de vez, corto um pão francês ao meio. Preciso comprar outro pote de requeijão, porque esse aqui acabou. Tranco as portas de casa ao sair, e caminhando por 30 minutos vou até a clínica onde exerço o papel social de trabalhador técnico em terapia ocupacional.
São 30 minutos de caminhada, espaço esse que percorro até o trabalho. Caso algo de errado aconteça, um acidente- que Deus me livre!- eu, sujeito cidadão de direito desse Estado Moderno, tenho assegurado assistência, através de normas dos direitos sociais registrados sobre as consolidações das leis do trabalho.
Mas o que narro aqui, visto que as narrativas são o modo primordial pelas quais as ações são transformadas e transfiguradas em discurso, dá conta desse momento instalado na ação do caminhar.
Após uns 20 minutos transcorridos, subi e desci ruas, atravessei na faixa de pedestres duas avenidas de grande movimento, me aproximo do bairro onde se localiza a unidade de saúde mental na qual trabalho. Antes mesmo de chegar até lá, cumprimento alguns usuários que ali, naquela situação, apresentavam-se enquanto cidadãos em seus afazeres cotidianos na vida da cidade. Hoje te apresento a primeira situação vivida.
R1, tocava a campainha de uma casa. Segurava seu filho pela mão, como quem aguardasse na porta o tempo da vinda de um outro alguém conhecido para quem seria entregue aos cuidados a criança. Um Oi-Bom dia, e um tudo bem trocados compõem um ação comunicativa presente na atividade da vida diária humana, ao mesmo tempo que podem significar um reconhecimento do outro enquanto ser vivente, enquanto agente, enquanto fazendo parte de uma rede relacional, alguém que se mostra numa ação interativa comunicacional, emissor e receptor de um sinal, alguém que tem no mecanismo da memória de longo prazo preservadas as partes declarativas e procedimental , alguém que sabe ver, sabe falar, expressa-se através de um aceno de gestualidade, que reconhece, que está atento, que demonstra seus desempenhos da funcionalidade cognitiva através da ação de cumprimentar. Usa o instrumento das mãos e da boca, sua corporeidade para estabelecer contato no contexto. Efetua parte de sua faberdiversidade., ou ainda, no fenômeno da atividade: cumprimentar estabelece algo com o devir.
E maquinoativando tal atividade, ou seja, estabelecendo esse modo de analisá-la, podemos averiguar o que estava acontecendo ali. Se elevo a atividade, o fenômeno da atividade às potências presentes da maquinoativação, terei não apenas um objeto concreto com o qual posso estabelecer minha visão como terapeuta ocupacional, mas outros 4 objetos com os quais posso compor um articulado complexo e plural.
Elevando à potência da PHORMA, faço a linguagem gestual e a linguagem verbal serem exercidas enquanto modos de ação do sujeito. Elas dão contorno a situação relacional, elencam as formas como essas aparecem, umas palavras e sinais, um gesto de aceno, um menear de cabeça, um sorriso cordial,uma interlocução... o objeto aparente via OBJETO-FORMA, aqui apresentado, beira o abstrato, mas existe, na forma do som e do gesto.
Elevando à potência da POIESIS, faço a criação de compreensão entre dois seres diferentes, tenho a confecção de troca de informes dentro de uma etiqueta social estabelecida pelo código sócio-cultural... o objeto aparente via OBJETO-QUASE, aqui apresentado, beira o reconhecimento da alteridade, também uma curiosidade e a vontade de saber e desejar que tudo de bem ali possa estar a acontecer.
Elevando à potência do PATHOS, faço a passagem da condição de assujeitamento do outro na relação para afirmação da diferença... o objeto aparente via SUBJETIL, aqui apresentado, dá através do cuidado-de-si.
Elevado à potência das PRÁXIS, faço a ação de verbalizar, dizer, ver, cumprimentar, ouvir, dialogar, comunicar, perceber, reconhecer, aproximar, distanciar, interagir, contactar... o objeto aparente via OBJETO-AÇÃO, aqui apresentado, converge-se através de todas as verbalidades empregadas no tempo e no espaço situacional.
Isso tudo, só pode acontecer no meu cotidiano e no de R. porque havia uma relação, ou seja, esse acontecimento só pode aparecer porque havia uma rede relacional com/na qual nós pudessemos agir. Isso aconteceu porque tal atividade pode ser dividida através da rede de relações estabelecidas, ou seja, porque havia ali uma malha que abarcava, integrava e conectava os agenciamentos de ambos sujeitos de ação.
Me despedi e continuei a caminhada, que te conto em outro dia.
Saudações
andré

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